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Entrevista com o Henrique antes do ciclo de cume

por Jaqueline Crestani



Pelo número de térmicas, parece que o Henrique realmente tomou muitos mates no Nepal!

Netflix nos Himalaias, comida desidratada, xixi na garrafa, "necessidades" na sacola, muitos quilos a menos, companheiros de escalada que viram irmãos... Esses são alguns dos "detalhes" de uma expedição em alta montanha que não costumam ser muito "explorados". Bom, como eu e muitas outras pessoas que estão acompanhando o Versus Eu Mesmo somos curiosas, resolvi propor que o Henrique respondesse algumas perguntas enquanto ele esteve no acampamento base esperando para fazer o ciclo de cume. 


Ele topou e contou um pouco mais sobre a expedição e o dia a dia na montanha. A "entrevista" foi coletiva, já que muitos participaram enviando perguntas através das redes sociais. Ele respondeu via WhatsApp no dia 12 de maio.

 

Como funciona a comunicação nos acampamentos? Tem internet?


A comunicação no campo base com o “mundo exterior” é por internet. A gente compra os dados por pacote e custa em média 50 dólares por 1GB de dados.

Entre os acampamentos, a comunicação é por rádio, pois a internet não funciona acima do campo base. Nos outros acampamentos, os mais altos, caso seja necessário, é possível conversar com o “mundo exterior” por telefone satelital, mas também é caro e oscila bastante. Custa em torno de 4 dólares o minuto!


Panorâmica do acampamento base

O que vocês fazem no "tempo livre"? Chegou a ficar entediado em algum momento?


Dividimos o “tempo livre” em duas partes: descanso ativo e descanso inativo. O ativo é quando fazemos algum exercício pra movimentar o corpo. Normalmente são atividades de 2 a 3 horas, caminhadas, escalada em gelo, por exemplo. Procuramos não ficar mais de três dias sem fazer alguma atividade.

Durante o descanso inativo conversamos, lemos, vemos filmes (quando alguém abre a mão e decide por um netflix! rs), visitamos os outros brasileiros que estão em outras equipes. Até agora não me senti entediado, a equipe é boa e por isso acabamos nos entretendo. Ah também tomo muito mate. Ajuda a passar o tempo e ajudou bastante a se aproximar dos sherpas, eles têm curiosidade para conhecer e acabaram gostando!


Lavando roupa depois de quase um mês no Nepal


Lagarteando e mateando

Como é a alimentação no campo base? E nos campos mais altos?


No campo base temos uma equipe de cozinha, cozinheiro e dois ajudantes. Então, temos café da manhã (normalmente iogurte com frutas, torrada ou panquecas, ovos, etc), almoço (varia bastante, normalmente uma massa ou arroz, uma carne, e legumes cozidos) e janta (sopa de entrada, e algo parecido com o almoço). Eles costumam fazem comidas típicas daqui, mas, na maioria das vezes, procuram adaptar ao nosso paladar. Essa é uma vantagem de ter uma equipe com a maior parte dos membros da mesma nacionalidade.

No campo base, temos sempre biscoitos, pringles, pipoca e muito chá à disposição. Ah, também no campo base, a família Zangaro [Lyzz, Renato e Ayesha são mãe, pai e filha] trouxe algumas coisas para preparar comidas mais brasileiras. Já tivemos risoto de bacalhau, escondidinho de carne, tapiocas, etc. Isso ajuda bastante no humor da galera!

No acampamento 2 também tem equipe de cozinha, mas os recursos são limitados. Então, eles fazem mais sopas e massas e menos carne. Para ter os nutrientes que faltam tomamos mais suplementos. Se sentirmos fome, comemos a comida liofilizada (comida congelada e depois desidratada).

Nos outros acampamentos normalmente tem alguma sopa instantânea. Também comemos comida liofilizada, que tem sabores bons e são bem completas em termos de nutrientes.


Dal bhat com arroz, lentilha, legumes, carne de búfalo e muito curry

Teve até truta no campo base!

Quantos kg tu calculas perder durante esta expedição?


Hoje [dia 12 de maio], estimo já ter perdido uns 7 kg. Isso porque não tenho tido problemas para comer e tenho conseguido me alimentar super bem. No total, estimo que chegue a perder até 15kg. Isso basicamente não é de gordura, mas de massa magra mesmo.

Mesmo parados no acampamento, vocês ficam ofegantes, com dificuldade para respirar, ou é só no momento de escalar?

Agora, após aclimatados, não ficamos tão ofegantes, só quando caminhamos muito rápido de um lugar para o outro. Do mesmo modo, quando estamos escalando, depois de “esquentar” ficamos ofegantes quando fazemos algo mais brusco!


Tomando um mate com a galera na barraca da comunicação

Como é a relação com o Carlos, a família Zangaro e os outros montanhistas? Vocês passam muito tempo juntos, acabam criando uma amizade? Isso ajuda a não se sentir tão "distante" de tudo/todos?


A relação é ótima, de amigos mesmo, quase de irmãos! Acabamos ficando muito tempo juntos e dividindo muitas coisas, o que cria uma grande intimidade. Com certeza ter um grupo de brasileiros ajuda a se sentir menos só, principalmente por poder falar nossa língua materna mais frequentemente. Mas até mesmo com os sherpas desenvolvemos uma amizade. Afinal, eles são nossos parceiros de escalada aqui!


Toda a equipe durante o almoço de aniversário do Carlos

Do que tu sentes mais falta quando está na montanha?


O que sinto mais falta? Difícil dizer, eu gosto de estar da montanha e tudo o que envolve estar nela! Então, não sinto muita falta de "coisas" ou comidas. Em relação à alimentação, acho até prazeroso experimentar pratos de outras culturas. Essa interação cultural é muito legal!

No fim, sinto mais falta mesmo das pessoas. Não sou de falar muito, mas às vezes faz falta dividir o que estamos sentindo e vivendo com aqueles que gostamos. Com internet isso acaba sendo minimizado!


Na volta do 3º ciclo de aclimatação

Chega uma hora que tem que fazer a barba!

Chegar no campo 3 foi mais difícil do que escalar o Aconcágua? [O campo 3 é mais alto que o Aconcágua, que era até então a montanha mais alta do Henrique]


Por incrível que pareça não, não foi! Achei mais fácil chegar ao campo 3, talvez porque o dia de cume do Aconcágua é mais longo, e cumprimos um desnível maior do que o dia que vamos até o campo 3. Mas o principal é que todo o tempo de aclimatação aqui ajuda a não nos sentirmos tão exaustos nessa altitude. No Aconcágua, subimos muito mais rápido!!! Ou seja, acho que acertamos no nosso plano de aclimatação até agora!!

Como funciona para atravessar as fendas? Tem que carregar as "escadas" e montar a estrutura ou elas já estão montadas pelo caminho? Quem monta a estrutura?

Essas fendas no gelo são chamadas “cravasses”. Às vezes elas são realmente muuuuito profundas, não se vê nada lá embaixo. Daí atravessamos com escadas horizontais. Quem monta todas essas estruturas de escadas e fixa as cordas são os sherpas que nos acompanham na escalada. Normalmente, eles fazem esse trabalho anteriormente.


Equilibrando para cruzar a cravasse!

Como faz para ir ao banheiro a partir de 8 mil metros de altitude com o frio? E se dá uma dor de barriga?


Procuramos ir no acampamento. Daí fazemos xixi na pee bottle e “número dois” no avanço da barraca, em sacolas. A ideia é não ficar exposto ao vento! Quando estamos em deslocamento, tem que ser rápido para fazer xixi, e evitar o número 2! Em caso de sentirmos algum problema que pode nos fazer precisar ir ao banheiro durante o ataque ao cume, optamos pela utilização de fraldas geriátricas. Mas só depois depois de passar dos 8 mil metros de fato, vou poder dar informações mais precisas! Rss

[O assunto rendeu tanto que o Henrique gravou um vídeo sobre fazer as "necessidades" na montanha!]



A partir do campo 3 (7.200 m) vocês começam a usar as máscaras de oxigênio direto? Quanto oxigênio vão usar, tem ideia?


Vamos usar oxigênio a partir do momento de dormir campo 3. Para dormir utilizamos um fluxo bem baixo, 0,5L/s. Para caminhar, utilizamos um pouco mais, 2 a 3 L/s. No total, a expectativa é que utilizemos seis garrafas (de 4L cada uma) no ciclo total. Além disso, temos duas garrafas extras, para serem usadas em caso de necessidade de fluxo maior para dormir ou caso precisemos esperar no campo 4 por um dia para melhora do tempo!


Olhem quantas garrafas de oxigênio!

Como faz pra comer e beber com a máscara?


Para comer, beber, tirar foto, conversar, tiramos a máscara, deslocando-a para o pescoço. Como estamos aclimatados é possível ficar sem a máscara por alguns minutos. É claro que cada minuto sem ela, mais falta sentimos do oxigênio e começamos a sentir efeitos da restrição.

Outro problema de tirar, quando estamos fora de barracas, é o congelamento da máscara, que fica úmida pela nossa respiração. A recomendação é não ficar mais de 5 min com ela fora da boca. E, em caso de congelamento, temos que dar algumas baforadas até liberar a válvula!


Testando a "summit masks"

Como vai ser o ataque ao cume? Como é a subida? Quantos km?


No dia anterior ao ataque ao cume, subimos do campo 3 ao campo 4 no período da manhã, até umas 14h. Chegando no campo 4, descansamos até umas 20h, quando começamos a nos organizar. Pelas 22h, devemos sair para o ataque ao cume. O campo 4 está a 7800 metros aproximadamente, e o cume a 8848 metros. Sendo assim, temos cerca de 1 mil metros de desnível a vencer. Devemos levar uma 5 horas para chegar ao Balcony. Depois disso, temos mais dois marcos, o cume sul e o Escalão Hillary. Levamos um total de 10 a 12 horas para chegar ao cume. Depois levamos de 3 a 4 horas para retornar ao campo 4, onde dormiremos para no dia seguinte retornar ao campo 2! E no seguinte, ao acampamento base.

Todo o tempo do ataque ao cume, andamos amarrados às cordas fixas, garantindo a segurança, uma vez que muitas vezes andamos em cristas que chegam a ter mais de 1 mil metros de desnível ao nosso lado. Os pontos de descanso são poucos e previamente combinados entre todos. Nos locais onde há mais espaço, que são basicamente a Balcony, o cume sul e o cume mesmo!

Como é para ti ver que muita gente está torcendo e acompanhando a expedição? Isso faz diferença?


A repercussão me impressionou bastante. Achei que ficaria mais entre pessoas mais próximas, mas o leque se abriu bastante. Isso me emociona muito! Ao mesmo tempo, me sinto impelido a não decepcionar essas pessoas! Rsss Mas, isso faz diferença, sim! De certa forma, recebemos essa energia positiva e ela nos ajuda a ter forças, seja nos momentos de dificuldade que acabamos lembrando de tudo isso, seja nos momentos de descanso. Quando estamos mais à toa, ler as mensagens de motivação ajuda a “esperar” sem tanta ansiedade.


Para saber como foi o ataque ao cume, você pode ler este post!


Esta expedição foi possível com o apoio de alguns patrocinadores: Sicredi, CIEE-RS, Botolli, Arqsoft, MG Serigrafia e Cactus Ambiental.  Continuem acompanhando o projeto Versus Eu Mesmo no Facebook e no Instagram para saber como foram os detalhes dessa aventura!  * Enquanto o Henrique estiver na montanha – e com acesso restrito à internet –, quem vai manter o blog atualizado e dar notícias por aqui serei eu! Para quem não me conhece, sou amiga de longa data do “dono” do blog e estou participando do projeto como jornalista (e fã, é claro!). 

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