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Quando a oportunidade não segue cronograma

Atualizado: 2 de out. de 2020

Há um ano cheguei ao topo do Manaslu, a oitava maior montanha do mundo, a segunda montanha do projeto CATORZE 8000+.


Em abril de 2017 decidi que iria escalar o Everest, e desde o momento que coloquei a montanha mais alta do mundo como objetivo estive 100% focado nela. Quando pedi demissão para me dedicar integralmente a esta expedição a pergunta que mais ouvi foi "E o que vai fazer depois?". Um objetivo ambicioso, ousado desde a origem, merece atenção integral, então o depois ao futuro pertencia e desde aquele momento minhas atenções estavam voltadas unicamente a esta próxima escalada!


Mas cerca de um ano e meio depois, em agosto de 2018, 3 meses após ter concluído o a expedição Everest, o depois havia chegado e era hora de estabelecer os próximos caminhos e metas! Estava decidido a manter as montanhas na minha vida o máximo possível e dessa vontade nasceu o objetivo de escalar as quatorze maiores montanha do mundo! Um objetivo ainda mais ousado, que não fora alcançado por nenhum brasileiro, e que demandaria, além de muito planejamento, muita persistência, pois uma vida dedicada ao esporte não costuma ser fácil, a um esporte pouco difundido, não olímpico, seria ainda mais! Precisaria definir a que montanha seria a próxima expedição, e opções não faltavam, eram 13 que ainda faltavam e tentando ser assertivo escolhi o Manaslu, que com seus 8.163m de altitude é considerada uma das montanhas de 8000m mais "fáceis", com maior índice de sucesso, e que tinha sua temporada preferencial nos meses de setembro e outubro, o que me daria um tempo maior de preparação e planejamento! Dessa forma poderia ganhar experiência enquanto realizava o projeto, e dentro da minha estratégia para o projeto CATORZE 8000+ ter uma expedição de sucesso no Manaslu era primordial para ganhar autoridade e posicionamento como montanhista, e não parecer apenas mais um "aventureiro"!

Foi um ano de intensa preparação, física e técnica principalmente, porém, com uma experiência muito boa de condições climáticas na primeira experiência no Himalaia, não considerava que o clima poderia ser um empecilho nessa jornada.


neve no campo base do Manaslu, alta montanha
Mais um dia "comum" no campo base do Manaslu

Desde o primeiro dia da expedição, ainda na aproximação o clima foi muito severo, tivemos poucos dias de sol, muita chuva e frio! A expectativa era que com o avançar dos dias, ganhando altitude e maior proximidade do outono esse período de chuva causado pelas monções do verão passasse e desse lugar a dias mais estáveis. Poderia escrever um post sobre cada dia para conseguir contar todos perrengues que isso causou, mas dez dias depois, quando alcançamos o acampamento base, percebemos que essa trégua não viria. Passamos o primeiro dia abrindo canaletas ao redor das barracas para escoamento da água, tentando aumentar as chances de mantê-las secas. Isso a 4.600m de altitude! A Puja, cerimônia budista de autorização de escalada, tradicionalmente celebrada ao ar livre e ao redor de um grande totem de pedras, precisou ser feita dentro de uma barraca!


Ansiosos para iniciar a escalada propriamente dita precisamos ser pacientes. No dia 17, quando pretendíamos dar início ao primeiro ciclo de escalada nevou muito, e foi necessário postergar os planos! Quando finalmente conseguimos alcançar o campo 1 mais uma vez o clima nos convidou a reprogramar, e retornamos ao campo base já no dia seguinte, sem sequer avançar nem um metro a mais, quando na verdade o objetivo era tocar o campo 2 (em "montanhês" tocar um campo significa ir até ele, deixar alguns equipamentos para o ciclo seguinte e retonar ao acampamento onde havia-se pernoitado).

Mais alguns dias de espera no campo base e partimos para nosso segundo ciclo de aclimatação. Chegamos ao campo 1 com um céu incrível, parecia que finalmente teríamos uma trégua, mas esses "bons ventos" não passaram daquela noite, que mais uma vez foi de muita neve. Aqui decisões mais ousadas começaram a precisar ser tomadas: se esperávamos ter pelo menos a chance de alcançar o cume nesta temporada precisaríamos ousar, precisávamos pelo menos passar dos 6000m de altitude, e foi o que fizemos, tocamos o campo 2, mas não sem um leve gosto de frustração, pois a meta para este ciclo era dormir neste acampamento e tocar o campo 3.


Campo base do Manaslu com muita neve
Retornando do "1º ciclo"

De volta ao acampamento base descansamos apenas um dia para já partir novamente, não havia tempo a perder, precisávamos compensar os ciclos incompletos. Porém, as notícias que recebíamos sobre a previsão do tempo não eram animadoras: nos próximos 5 dias teríamos uma janela de bom tempo (o que seria ótimo para completar o terceiro ciclo de aclimatação), mas depois desses dias de melhor clima as coisas ficariam bem ruins por pelo menos mais uns 10 dias, ou seja, a janela de cume estava estabelecida, não haveria possibilidade de cumprir um terceiro ciclo de aclimatação. Com estes dados em mãos tínhamos duas opções:

- desistir porque as coisas não estavam exatamente do jeito que gostaríamos;

- ou tentar.


Sempre fui muito competitivo, perder nunca foi fácil, mas perder sem tentar jamais foi uma opção!

Sabíamos que não estávamos aclimatados da forma que gostaríamos e que isso demandaria mais atenção com nós mesmos e o funcionamento do nosso corpo, além de precisarmos estar preparados para dar volta atrás caso sentíssemos que as coisas começassem a sair do controle! Saímos todos juntos do campo base, seguimos todos juntos até cada um dos acampamentos... campo 1, campo 2, campo 3... aqui ajustamos a estratégia, dormir ainda mais alto nesse momento poderia ser muito desgastante, optamos então por uma exposição mais rápida à altitude, partiríamos para o cume desde o campo 3, e para ele retornaríamos ao final! Foi um dia longo, meu corpo foi posto à prova, o psicológico precisou manter-se forte para empurrar o corpo desgastado, mas o final todos já conhecem, perto das 9 da manhã do dia 27 de setembro de 2019 alcançamos o cume do Manaslu, e assim encerrei com segundo a segunda expedição, ou segundo ciclo do projeto CATORZE 8000+.


Mas por que estou contando essa história? Falamos muito em planejamento, organização, cronograma... Algumas vezes as coisas saem errado na hora de executar e a partir daí o que conta é como você se preparou para esse momento! Nessas horas se sobressaem outras características como a criatividade, espírito de equipe para se apoiar... mas é nesse momento que a experiência e a dedicação posta nos meses anteriores à expedição são predominantes!

Muitas vezes tive dúvidas se a expedição aconteceria, mas nunca parei de me preparar, pois precisava estar pronto caso a oportunidade chegasse! E nessa pegada sigo, agora para o Double Head: Lhotse + Everest!!


Campo 3 do Manaslu 6600m
A oportunidade nem sempre segue cronograma



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